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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A Mudança, Acioli

Nasci em janeiro, todas as minhas irmãs dizem que eu era feia que parecia um sapinho. Mamãe contava que ela não tinha tempo para se alimentar e comia muito chocolate, mas que eu nunca tive problema de dor de barriga, mas fiquei chocólatra desde aquela época. Acho que fui uma decepção para papai, tinham cinco meninas, um menino e para arrematar mais uma menina, eu.

Quando fiz tres meses, mamãe teve câncer de colo de útero, foi com papai para o Rio fazer o tratamento de radioterapia. Isso em 1935, ela sozinha no Rio, em uma pensão em um lugar estranho, sem marido, sem os filhos e em tratamento para a cura do cancêr. Imagino o que ela passou. Papai teve que voltar para ficar  com os filhos e cuidar dos negócios. Naquele tempo não tinha telefone, só telégrafo ou carta, que demorava muito para chegar pois o transporte era o trem Maria-fumaça. Ela ficou três meses no Rio, enquanto nossa prima Dininha ajudava papa ia tomar conta de mim e dos outros filhos. Papai contava que enquanto mamãe estava fora, eu fiquei doente, tive uma desenteria amebiana (acho que foi efeito atrasado do chocolate). Quase morri e o medo dele é que acontecesse alguma coisa pior sem mamãe, mas enfim melhorei e estou aqui até hoje. Quando comecei a andar minhas irmãs me colocavam no final do corredor, corriam e me chamavam, eu vinha confiante e elas me davam um susto, eu ria e a brincadeira se repetia. Acabei doente de tanto susto que me deram. 

A casa da Colônia, como era chamada, era azul e grande, ficava no alto de uma colina. Para chegar lá, atravessavámos uma ponte sobre o rio Santa Maria , lá de casa avistávamos quase toda a cidade de Acioli. Ao redor dela tinha muito pasto, curral, árvores frutíferas, tudo o que uma criança podia querer para brincar. Uns cem metros de nossa casa ficava a casa de Chico Eva. Ele morava com  três filhas, um filho e a mãe. Maria e Mariana eram nossas companheiras de brincadeira, subiam nas goiabeiras com a maior facilidade, o que nos encantava. Pegávamos guachuma para fazer travesseiro com a paina e estávamos sempre juntas,  apesar da minha pouca idade que devia ser três anos.

O que eu gostava mesmo era de ir á casa de Chico Eva onde a mãe dele também morava. Era uma senhora magrinha que estava sempre sentada perto do fogão de lenha. Ela usava uma saia comprida de chita e uma bata tambem de chita, um lenço na cabeça amarrado sob o queixo e umas chinelas fechadas na frente. Tinha sempre um cachimbinho que ela dizia que era o pito. Ela havia sido escrava e tinha boa memória. Sempre que podia sentava perto de Mãe Eva, como ela era chamada, e ficava ouvindo com a maior atenção os casos que ela contava do tempo que era escrava. Por mim ficava sempre ali pois queria ouvir sempre mais uma história. Quando aprendi a pintar telas fiz o retrato de uma senhora morena perto de um fogão e dei  o nome do quadro de Mãe Eva, ninguém entendeu, mas eu sim. Era minha contadora de histórias, de minha infancia.

2 comentários:

  1. Mãe....saber detalhes de sua história é uma das melhores coisas dessa vida...tanta coisa que a gente não conhece,não sabe e derepente tudo vai se tornando real e presente...deveria escrever um livro! Te amo,bjs.

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  2. tudo tao real, tao lindo, me sinto la com vc vó... continue!

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